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BLOGELLERA

Congresso de estratégia criativa.




O congresso de Estratégia Criativa 2019 teve como mote a diversidade, o racismo e o assédio dentro das organizações. A seguir uma matéria que saiu no Jornal do Comércio com uma síntese das palestras e uma participação minha neste conteúdo.

Por Adriana Lampert.

Saber o que e como falar é uma necessidade para profissionais de todas as áreas. Mas, no caso dos que atuam no mercado publicitário, ter posicionamento diante de causas sociais, convicção, empatia, comprometimento e coerência com o discurso têm se tornado uma exigência cada vez mais latente. Ao contrário de países do continente europeu, onde as agências já apostam há muitos anos em comerciais cujos resultados não só geram rentabilidade, mas também inovam na maneira de pensar e agir das marcas, somente agora o assunto está em pauta no Brasil. Dispostos a mergulhar mais fundo nas questões de diversidade e inclusão, acadêmicos, consultores e estrategistas do mercado publicitário têm se debruçado no debate sobre como construir marcas e gerar resultados fazendo a diferença, bem como estendê-la ao ambiente interno das empresas envolvidas. "Ter respeito e ética não somente no discurso e na narrativa das marcas na hora de se conectar com um consumidor ou outro, mas não os tê-los de forma inerente às práticas organizacionais é uma situação que precisa ser revista", avalia a professora de Publicidade e Propaganda dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Elisa Piedras. "Se as pessoas (de um comercial ou propaganda) falam algo e a marca não entrega aquilo que está sendo dito, surge uma série de problemas" no que se refere à estratégia de comunicação, observa o publicitário integrante do grupo de diretores criativos Mooc, Levis Novaes. "E, quanto mais engessada uma marca, mais fadada a quebrar ela está - à medida que erra e pede desculpas, mas começa a insistir no erro, vai perdendo crédito junto ao consumidor, mesmo que acerte no futuro, porque tem a reputação afetada", adverte. Apresentando soluções criativas sob o olhar do jovem negro, Novaes já realizou trabalhos reconhecidos para Skol, Avon, Faber-Castell, Zaxy, Converse e Levi's. Além dos processos junto ao Mooc, atua como líder de conhecimento da FlagCX - agência referenciada pela cultura de disrupção dentro da indústria da propaganda. Com o objetivo de causar transformações no cenário cultural brasileiro - principalmente relacionado a moda, música e criatividade -, o diretor do Mooc utiliza os conceitos de conexões, estratégia e comportamento. "Conexões geram novos caminhos", justifica. Ao apontar que é preciso estar aberto para os questionamentos que as trocas promovem, Novaes afirma que hoje a vanguarda da comunicação busca humanizar processos através de um "pensar diferente". É aí que surge a estratégia de cocriação, que permite ressignificar conceitos engessados a partir da escuta ativa (abertura para com o outro, atenção plena sobre o que a outra pessoa deseja expressar) que dá espaço ao "lugar de fala". "Não posso me apropriar da vivência das outras pessoas, mas chamá-las para estarem junto na criação se eu quiser entender." Além de colocar a diversidade no resultado final, no comercial, é fundamental que marcas e agências tenham, na mesma proporção, pessoas que representem a demografia brasileira, concorda a consultora de comunicação Clariza Rosa. "É o interno que vai refletir no externo." A consultora explica que só mudando o olhar e agindo de forma coerente é que o mercado vai conseguir comunicar de uma forma diferente, mais realista. "Infelizmente, a maneira como a comunicação publicitária vem se fortalecendo ainda leva para um lugar onde as agências são detentoras de tudo que é ferramenta para produzir a comunicação, mas os profissionais não olham para o que está acontecendo na rua, nos movimentos sociais, em outras regiões etc.", dispara Clariza. Por isso, muitas vezes, não avançam nem produzem comunicação eficaz no requisito básico de falar com as pessoas. Questões sociais e raciais precisam entrar em pauta A consultora de comunicação Clariza Rosa pondera que os grandes players ainda tratam muito superficialmente as questões sociais e raciais. "Existe uma cegueira das pessoas que estão nas agências", critica. "Mesmo contendo conhecimento, a grande maioria delas ainda produz comunicação para um país majoritariamente de negros e pardos, sem dialogar com a sociedade." No entanto, boa parte da cadeia produtiva da publicidade tem atentado para a diversidade nas propagandas, como forma de representar com mais proximidade os diversos estilos, classe econômica, gênero e raça dos consumidores brasileiros. Segundo o diretor da agência Mega Model Sul, Vinícius Magalhães, o mercado mudou de cinco anos para cá, substituindo o perfil clássico de modelos no estereótipo "príncipe e princesa", para buscar pela diversidade. "Hoje, se vê cada vez mais modelos tatuados, sêniors, plus-size, com vitiligo, entre outros. Recentemente, fizemos um casting para comercial do governo de Santa Catarina que solicitou pessoas com síndrome de Down." A agência entrou no ritmo, e a seleção de modelos para comerciais ou fotos funciona por identificação. "Há dois anos que os clientes querem cada vez mais perfis que representem os consumidores finais, sendo que 65% dos modelos da publicidade já são da diversidade." Uma das primeiras marcas a utilizar este conceito foi a Dove, com imagens de "mulheres reais". "Hoje, a maioria das marcas quer modelos que se assemelhe aos consumidores dos produtos que vendem, caso contrário o público-alvo não se reconhece e acaba não adquirindo. "Hoje, nosso foco são os diversos, porque o trabalho neste segmento está crescendo muito, e a agência precisa pesquisar novos modelos para o casting das campanhas publicitárias, que atende." Mais empoderados e se aceitando fora dos padrões estéticos rígidos estabelecidos principalmente no mundo da moda, os consumidores não são o único foco da Mega Model, que aplica o conceito também em seu site de estrelas de comerciais. Com tutoriais inclusivos, com legenda e outras acessibilidades, a Mega Model Sul surfa na onda deste mercado em ascensão no Brasil. O conceito chega bem atrasado, vide o caso da marca Benetton, que fazia isso antigamente e não era bem compreendida. 'Lugar de fala' busca fim da mediação É preciso pensar a comunicação além de inclusão ou diversidade, diz Clariza.


Termo que aparece com frequência em conversas entre militantes de movimentos feministas, negros ou LGBTTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) e em debates na internet, o conceito de "lugar de fala" é busca pelo fim da mediação: a pessoa que sofre preconceito fala por si, como protagonista da própria luta e movimento. Mecanismo que surgiu como contraponto ao silenciamento da voz de minorias sociais por grupos privilegiados em espaços de debate público, agora esse conceito chega ao mercado publicitário e abre as portas para a cocriação de grupos que historicamente têm pouquíssimo espaço no meio publicitário, a exemplo da população negra e os LGBTTs. Mas ele pode se estender de forma mais ampla para qualquer situação da realidade brasileira. A consultora de comunicação Clariza Rosa aponta que o mercado atual exige pensar a comunicação além do conceito de inclusão ou diversidade. "Isso ocorre quando se entende que é necessário pensar e construir de forma colaborativa para que outros pontos de vista e pessoas estejam inseridos no processo, gerando resultados mais assertivos e mais próximos da realidade brasileira." Primeira empresa do varejo de moda a lançar a calça jeans "mais sustentável do mundo", em 2018, a C&A é um exemplo de marca que deu passos importantes nos últimos anos para comunicar as ações de sustentabilidade da rede. "Entendemos que a imagem e a reputação da nossa marca devem refletir o que acreditamos e o que praticamos diariamente", pontua o CEO da C&A Brasil, Paulo Correa. "Está na lista de valores cada vez mais presentes na decisão de compra do consumidor. E essa relação transparente é responsável pela construção e manutenção do elo que o cliente tem com a C&A."

Além da divulgação pública da lista de fornecedores no site do Relatório Global de Sustentabilidade da marca, e da publicação anual do Relatório, a principal ação foi o lançamento, em 2018, do conceito global de comunicação para a sustentabilidade #VistaAMudança (#WearTheChange). "Por meio desse movimento, convidamos nossos clientes a se juntarem a nós na busca por uma moda com impacto positivo", destaca Correa. Meio publicitário revê conceitos para fugir do padrão estabelecido há anos Novaes é integrante da Mooc e tem seu trabalho focado na inclusão dos negros na propaganda.


Focado no ponto de contrafluxo do mercado, o publicitário Levis Novaes comenta que o grande desafio das agências de propaganda nos últimos anos tem sido entender como desenvolver processos diferentes do padrão que se apresenta no meio publicitário há muitos anos. Ele destaca que alguns coletivos já trilham este caminho a fim de transformar tudo que foi apresentado até agora, com pontos de disrupção - que quebram a mentalidade do mercado. "Estamos falando sobre pessoas, porque, apesar de os dados serem incríveis, se não humanizarmos a pauta, passa a ser somente números", observa Novaes. Como diretor criativo do grupo Mooc, ele trabalha com a questão da inclusão dos negros na propaganda, "e isso já começa a ter aspectos práticos". Na visão da integrante do Grupo de Planejamento do Rio Grande do Sul (GPRS), Daniele Lazzarotto, "este é um momento crucial para os gestores de marcas e negócios" no Brasil. "Sabemos que os velhos modelos não funcionam mais, no entanto é difícil encontrar novos caminhos em um ambiente mutante", avalia, ponderando que, no entanto, "há marcas que estão sabendo lidar com estes novos tempos". Na C&A, as pessoas vêm em primeiro lugar, destaca o CEO da empresa. "Acreditamos que o desenvolvimento e o treinamento dos nossos colaboradores são essenciais para o sucesso do negócio." Pensamento estratégico precisa ser estimulado Laura diz que iniciativa serviu para oxigenar ideias do mercado; Elisa elogiou debate que revisou práticas. Organizado a cada dois anos com o objetivo de elevar a discussão sobre marcas e estratégia no Estado, o Congresso de Estratégia Criativa de 2019 reuniu nomes nacionais e internacionais no dia 20 maio, em Porto Alegre. O evento, realizado no Teatro do Bourbon Country, é produzido pelo Grupo de Planejamento do Rio Grande do Sul (GPRS). "Trouxemos estrategistas para expor ideias e métodos utilizados", explica a integrante do GPRS, Daniele Lazzarotto. "Nosso objetivo é ajudar a ampliar os horizontes do pensamento estratégico e das marcas no Estado." Entre os palestrantes, a consultora independente Hui Jin Park destacou a importância de se "encontrar um caminho do meio, buscando um diálogo com o passado, se ir para o "extremismo" ao apostar na disrupção. "Ela estabeleceu muito bem esse diálogo com as tendências e práticas que já existiam e com o que tem que ser revisto ou não", opina a professora universitária Elisa Piedras. Iniciativa considerada de extrema importância, por profissionais de agências de publicidade e propaganda, e do meio acadêmico, o Congresso reuniu diversos profissionais da área. "Foi um debate muito importante tanto pela questão da pesquisa acadêmica que desenvolvo sobre o tema, mas, sobretudo, pela iniciativa de oxigenar as ideias do nosso mercado", concorda a professora do Departamento de Comunicação da Ufrgs, Laura Wottrich, que estuda práticas de contestação dos anúncios a partir das redes sociais digitais e como esses movimentos estão transformando o mercado. "Em uma era de transição como a que estamos vivendo, tendemos a prestar mais atenção nas coisas que estão mudando e deixamos de olhar para aquelas que permanecem iguais", comenta Daniele. "Valores humanos permanecem fundamentalmente iguais. As empresas de maior sucesso são aquelas que conseguem entender isso e se movimentar não em direção à tecnologia mais em direção às pessoas, entregando relevância e utilidade para seus desejos, sonhos e necessidades." Evento no Bourbon Country reuniu nomes nacionais e internacionais. Para o professor de Design Gráfico da FTec, Lorenzo Ellera, o Congresso de Estratégia Criativa é um evento "muito relevante". "Falar sobre a importância das marcas trabalharem a diversidade e acolhimento de pessoas além da peça publicitária ainda é bastante embrionário, mas o que importa é que está acontecendo a discussão, e isso por si é um grande passo."


Na opinião de Ellera, a possibilidade deste conceito ser aplicado a pleno do Brasil existe, mas a médio prazo. "Hoje se compreende que, para além do lugar de fala, todos devem trocar, e não somente as pessoas que representam o foco do comercial", opina o docente, justificando que, quanto mais pluralidade de pontos de vistas houver na criação, melhor. C&A aposta na diversidade em suas campanhas Correa destaca que a moda é uma plataforma de expressão. Nas peças publicitárias e comerciais, a diversidade faz parte dos valores da C&A.


"Acreditamos que a moda é uma plataforma de expressão e as pessoas devem se sentir livres para serem quem quiserem por meio dela. Neste contexto, oferecemos produtos variados, que contemplam os mais diversos estilos", diz Paulo Correa, CEO da C&A Brasil. "Também fomos a primeira varejista de moda a trabalhar com um garoto-propaganda negro. Além disso, apoiamos a moda sem gênero e lançamos no último ano a coleção Pride." Em âmbito interno e para a concretização das ideais da varejista, projetos representativos são realizados com frequência, dentro e fora da empresa. Um exemplo interno é o Comitê de Diversidade, que hoje é o grupo responsável por olhar especificamente para este tema dentro da C&A. "Esse Comitê surgiu em 2017 a partir da rotina de rodas de conversas que costumo realizar com colaboradores de todas as áreas, em que eles apontam e sugerem ações que acreditam que podem agregar ao negócio", conta Correa. Formado por cerca de 60 colaboradores de diferentes áreas da empresa, o grupo atua de forma voluntária e se reúne periodicamente para discutir as ações que serão feitas e o status das iniciativas em andamento. Além disso, o Comitê é dividido em frentes distintas, que estão diretamente conectadas ao propósito da marca "de ser e expressar-se para o mundo", a exemplo de questões de gênero e raça dentro do contexto da C&A. "Cada um desses grupos traz ações que podem, em um momento inicial, gerar repertório a todos os funcionários para que seja criado um ambiente cada vez mais respeitoso e inclusivo dentro da companhia", diz o CEO da C&A Brasil. "Isso, por sua vez, reflete positivamente nos demais setores da empresa, como no atendimento ao cliente.


Jornal do Comércio.

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